Cirene

Cirene foi fundada em aproximadamente 630 a.C., sendo a primeira pólis grega a instalar-se no Norte da África. Ficava localizada onde hoje se encontra a cidade de Shahat, na região oriental da Líbia, a 10 km da costa. O fato de estar tão distante do litoral pode significar que esta fosse uma colônia predominantemente agrícola. As vicissitudes históricas de Cirene são narradas com algum detalhe por Heródoto (livro IV). Ali podemos ler que Cirene foi fundada por Batos, originariamente da ilha de Thera, e que desde o início ele reunia o poder político-administrativo, militar e religioso. Acompanhando o relato de Heródoto, registra-se que em meados do século VI a.C., sob Batos III, veio a Cirene um legislador de Mantineia, de nome Demonax, que além de reestruturar o quadro cívico da cidade, reduziu os poderes reais: nesta ocasião, o rei teria perdido suas terras e seu poder ficou restrito ao sacerdócio de Apolo. A dinastia dos Batíadas em Cirene, conforme narrado por Heródoto, durou oito gerações. Segundo Heraclides do Ponto (Exc. Polit. II, 212), na metade do século V a.C., com o assassinato de Arcesilau IV, foi instalada uma democracia. Nesta ocasião, o sacerdócio de Apolo passou a representar a magistratura mais importante da cidade, como atestado em documentos epigráficos deste período, e todas as atividades que antes estavam sob controle do rei-sacerdote passaram para as mãos dos Cireneus, como a administração das propriedades sagradas de Apolo e a exploração do silfium, planta que fez a riqueza de Cirene.

Code: CIR
Actual name: Shahat
Original idiom name: Κυρήνη/ Κυράνα
Latin name: Cyrenae
Region: Norte da África (Líbia)
Sítio Arqueológico: archaeological site 1
Longitude: 21,855833
Latitude: 32,819015

Media

Formas de ocupação da khóra > Áreas sagradas: depósitos, templos, capelas, santuários, altares

O Grande Santuário de Zeus Olímpio, situado sobre a colina Noroeste, ao lado do Hipódromo, na zona onde se erguia também o templo de Afrodite, encontrava-se deslocado do centro urbano e fora dos muros da cidade até o século III a.C., quando o complexo foi incluído na cinta murária helenística. Assim, originariamente sua posição era na khóra. Sua construção, segundo relato de Heródoto (IV, 165-167 e 200-203), data do último quarto do século VI a.C. Embora a sua atribuição a Zeus Olímpio tenha sido feita pelo achado de uma dedicatória, a julgar pelo relato de Heródoto, quando da sua fundação, o templo era de domínio de Lycaios, como Zeus era cultuado na Arcádia. Por isso, os estudiosos associam a sua fundação à chegada de uma segunda onda de colonos, provindos do Peloponeso. De fato, na Reforma de Damonax (IV, 161, 3), a segunda tribo era composta por colonos provindos do Peloponeso e de Creta.

  • VITA, A. D.; VITA-EVRARD, G. d.; BACCHIELLI, L.; POLIDORI, R.; Libya: The lost cities of the Roman Empire.
Formas de ocupação da khóra > Áreas sagradas: depósitos, templos, capelas, santuários, altares

Santuário extra-urbano de Deméter. Localizado fora dos muros da cidade, nas encostas da colina Meridional, separada do núcleo urbano pelo Wadi Bel Gadir, um rio de águas intermitentes, ele foi erguido nos primeiros anos da colônia e dedicado a Deméter Thesmophoros. A julgar pelos achados arqueológicos, este santuário, localizado na fronteira entre a ásty e a khóra, teve papel fundamental na integração das mulheres líbias que se esposaram com os colonos gregos desde os primeiros anos de sua existência.

  • WHITE, D.; The extramural sanctuary of Demeter and Persefone at Cyrene, Lybia: final reports, vol. II.
Formas de ocupação da ásty > Grade urbana: acrópole, quarteirão, ágora, platéias, estenopes, orientação

O Monumento Naval, erguido na área oriental do Terraço Inferior da ágora, é composto por uma proa com dois delfins esculpidos em alto-relevo na extremidade anterior da proa, sobre a qual se ergue uma imponente Atena-Nike. O monumento, feito em mármore, comemora a vitória naval de Ptolomeu III Euergetes na III Guerra Síria. (século III a.C.)

Formas de ocupação da ásty > Grade urbana: acrópole, quarteirão, ágora, platéias, estenopes, orientação

A ágora de Cirene, que funcionava como articulação entre a Acrópole e a zona Oriental, sofreu ao longo dos séculos diversas adaptações em diferentes momentos e ampliamentos a partir de um plano urbanístico originário.
No último quarto do século VII a.C. neste terreno foram implantados dois temenos. No lado ocidental, foi construído um recinto sagrado com um oikos dedicado a Opheles, uma divindade rural e popular ligada aos primeiros colonos. Pouco depois, no primeiro quartel do século VI a.C., a norte do oikos de Opheles, foi construída a 'Tumba do Fundador', Batos, que como outros fundadores recebeu um culto público na ágora.
O segundo témenos, contemporâneo ao oikos de Opheles, consiste de um recinto de planta retangular consagrado a Apolo Archegeta, localizado no lado oriental. As duas estruturas davam os fundos para a Via Sacra e já assinalavam a delimitação da ágora clássica.

Píndaro, poeta beócio que viveu no século V a.C., compôs uma poesia em honra da dinastia batíada. Nas Píticas V (90-95), em especial, ao honrar o fundador da colônia, Batos I, ele narra o caminho percorrido pela procissão de Apolo, que partia do santuário da Myrtousa e terminava na ágora, provavelmente diante do templo da divindade, pela Via de Batos:

"e ele [Batos] estabeleceu, para as procissões de Apolo, protetor dos mortais,
uma via pavimentada, plana e reta,
que emitia sons ao pisar dos cavalos:
aqui, no fundo da praça, separadamente ele jazia.
Ele foi abençoado quando morava entre os homens
e como herói foi depois venerado."

Com o auxílio de Píndaro e a partir das evidências arqueológicas, sabemos que a Tumba do fundador se encontrava nas margens da ágora e consistia de um túmulo de terra que cobria suas cinzas, circundado por um pequeno muro, como podemos observar nesta reconstituição.

No final do século VI a.C., coincidindo com a chegada dos novos colonos e a reforma promovida por Damonax, a praça foi alargada em direção ao norte e a leste, definindo os quatro ângulos que formariam a ágora clássica. Neste momento é construído o Santuário de Deméter e Koré da ágora, com dois altares internos, na parte Noroeste da praça. Do lado Norte e Nordeste, erguem-se dois pórticos e ao Sul, surge o primeiro pritaneu, dentro do qual foi identificada a escara, o fogo sagrado.
Somente em época helenística, a configuração da praça se completa. Ela se constitui então de dois complexos monumentais, divididos entre si pela Via Sacra e respeitando o desnível do terreno propriamente: o Terraço Inferior, assim chamado por ser um pouco mais baixo, onde se desenvolveu a ágora clássica; e o Terraço Superior, localizado no setor meridional, que se desenvolveu somente a partir da segunda metade do século IV a.C. e mais intensamente em período helenístico, como parte de uma maior especialização dos espaços promovida pela reforma urbanística deste século.

  • STUCCHI, S.; Architettura Cirenaica.
  • GASPERINI, L.; PANDOLFI, L.; STUCCHI, S.; L’Agora di Cirene: I Lati Nord ed Est della platea inferiore.
  • HELLMANN, M.; L’ Architecture Grecque. 2. Architecture religieuse et funéraire.
  • VITA, A. D.; VITA-EVRARD, G. d.; BACCHIELLI, L.; POLIDORI, R.; Libya: The lost cities of the Roman Empire.
Formas de ocupação da ásty > Grade urbana: acrópole, quarteirão, ágora, platéias, estenopes, orientação

Entre o fim do século VII a.C. e o primeiro quartel do VI a.C., foram lançadas as bases da implantação urbana de Cirene, que se completaria somente em período helenístico.
Nestas imagens podemos perceber, através das orientações diversas dos percursos viários, o desenvolvimento de quatro zonas de ocupação efetuadas sobre quatro colinas:
a colina Ocidental, onde se encontra a Acrópole; a colina Setentrional, do Santuário de Apolo; a colina Oriental, do Santuário de Zeus; e a colina Meridional, do Santuário Extraurbano de Deméter e Perséfone. A zona da Ágora representa um primeiro alargamento da área plana da Acrópole na direção leste.
Desde época arcaica, a Via Batos partia do centro da Acrópole, ligando-a à área plana que se encontra de frente, onde se desenvolveria a Ágora, e ao Santuário de Apolo.

A Acrópole, que foi sede da ocupação primitiva e residência dos Batíadas, foi circundada com cinta murária pelos primeiros Thereus, sendo esta interna em relação ao sistema de fortificação que englobava a cidade. As ruas da Acrópole corriam na direção N-S e E-O, acompanhando o traçado dos muros, exceto a norte, onde o traçado das ruas respeitava o relevo.

  • BONACASA, N. (ed.); Cirene
  • VITA, A. D.; VITA-EVRARD, G. d.; BACCHIELLI, L.; POLIDORI, R.; Libya: The lost cities of the Roman Empire.
  • BOLLATI, R.; BOLLATI, S.; Siracusa: genesi di una città. Tessuto urbano di Ortigia.
  • WHITE, D.; The extramural sanctuary of Demeter and Persefone at Cyrene, Lybia: final reports, vol. II.
  • CARRATELLI, G. P. (ed.); The Greek world: art and civilization in Magna Graecia and Sicily.
Formas de ocupação da ásty > Áreas sagradas: depósitos, templos, capelas, santuários, altares

É neste santuário, na aulé da Ágora, que eram realizados os sacrifícios às deusas Thesmophoria, Deméter e Perséfone.
Calímaco, poeta cireneu que compôs o Hino a Deméter (v. 1-9; 119-133), no século III a.C., narrou o caminho de retorno da procissão em honra a Deméter. Segundo o poeta, o kálathos, que era a cesta onde eram depositados o sacrifício e "o mistério", era conduzido na quadriga do Santuário Extraurbano de Deméter e Perséfone fora dos muros da cidade para ser então depositado no Santuário Circular da Ágora, depois de passar pelo Pritaneu.

"Quando o kálathos retornar, ressoem, ó mulheres, as vozes!
'Salve, Deméter, grande, rica de colheitas, nutriz!'
Quando o kálathos retornar, o olhar para a terra, ó profanos!
Conduzam o kálathos quatro cavalos de crinas brancas
(...)
E sem sapatos nem fitas pela cidade nos movemos,
(...)
Das cidades até o Pritaneu as não iniciadas
cheguem; as iniciadas, se menores de sessenta anos,
até a deusa; (...)"

O Santuário cantado por Calímaco é o Circular construído no século III a.C. Como podemos observar nesta planta, consistia de um muro de períbolo alto que protegia as estátuas das duas divindades, sentadas, e no muro havia duas portas para a entrada e a saída das mulheres em procissão. No subsolo, foi construída uma cripta conectada a duas bacias para o sacrifício e acessível por uma pequena escada de pedra.

  • HELLMANN, M.; L’ Architecture Grecque. 2. Architecture religieuse et funéraire.
Formas de ocupação da ásty > Áreas sagradas: depósitos, templos, capelas, santuários, altares

Também o santuário de Apolo se desenvolveu em dois setores que respeitam o relevo do terreno. No Terraço Inferior foi construído o témeno de Apolo, que consistia de uma área ampla com bosques, circundada por um muro que fechava o templo e o altar de Apolo, a quem era destinada a parte central do santuário. No Terraço Superior, onde desembocava a Via Sacra, encontravam-se, sobre as encostas da Acrópole, as Fontes Kyra e de Apolo. Segundo o relato de Heródoto (IV, 158), foi ali que os líbios conduziram Batos e seus companheiros para fundar a cidade:
"Lhes conduziram, então, até uma fonte que se dizia consagrada a Apolo e disseram: Ó homens da Grécia, é aqui que lhes convêm habitar, porque aqui o céu é furado!' "

Datado no final de época arcaica, o Teatro Grego de Dioniso não parece ter recebido a forma trapezoidal que caracteriza o teatro grego de época clássica, mas inicialmente ter recebido instalações esculpidas diretamente na rocha formando o que Stucchi denomina um edifício cênico linear.

Quando na segunda metade do século IV a.C., os estrategos cireneus venceram uma batalha contra as tribos líbias dos Maques e dos Nassamones, povos seminômades que ocupavam o território a oeste da Cirenaica, dedicaram o dízimo da batalha a Apolo e em seu santuário construíram este Tesouro, conhecido como "dos Estrategos".

  • HELLMANN, M.; L’ Architecture Grecque. 2. Architecture religieuse et funéraire.
  • VITA, A. D.; VITA-EVRARD, G. d.; BACCHIELLI, L.; POLIDORI, R.; Libya: The lost cities of the Roman Empire.
Formas de ocupação da khóra > Espaços funerários: necrópoles, enterramentos aleatórios

Em Cirene, assim como em outras pólis gregas, as necrópoles se localizavam fora dos muros, ao redor da cidade, ao lado das principais estradas que ligavam a cidade ao seu território.
A estrada que partia do santuário de Apolo e seguia até Apolônia, o porto de Cirene, em direção ao norte, passava pela Necrópole Norte, onde se podia observar um verdadeiro espetáculo de ostentação da aristocracia da cidade.

  • HELLMANN, M.; L’ Architecture Grecque. 2. Architecture religieuse et funéraire.